O filme é bom e ao mesmo tempo estranho, e a primeira advertência a ser feita é a de que "Bacurau" é filme é bastante violento, às vezes sem parecer que a violência tenha sentido algum, mas tem. Se o expectador tiver estômago fraco ou preguiça de pensar, não deve assistir, vai se decepcionar.
O filme é visceral, sui generis, mas não é para relaxar ou se divertir. É um filme para pensar, abrir a cabeça. Mistura traços de estilos tão diferentes quanto pornochanchada, faroeste, ficção cientÃfica, terror, suspense e ação, com um estilo e uma cenografia que o faz parecido com os filmes de Quentin Tarantino, mas é uma semelhança tênue. É parecido, só, mas ao mesmo tempo completamente diferente, pois as referências cinematográficas e a forma de narrativa vão muito além do diretor norte americano e brincam com as regras do cinema e com os recursos visuais de forma paródica, tudo propositalmente embalado como sendo um filme "B", ou de segunda linha. Bacurau é um filme complexo e usa narrativas alegóricas, com personagens propositalmente caricatos, excêntricos para, numa metáfora contundente que transita entre passado, presente e futuro distópÃco - visÃveis nas entrelinhas da estória, contar uma crônica universal de união e resistência sob diversas perspectivas em meio à s contradições de uma trama repleta de tiroteios, mortes e sangue que, no fundo, criticam as mesmas armas colocadas no centro da história e celebram a vida. É preciso estar atento a detalhes e contradições, pois o filme evoca em muitas cenas situações que, se não apreendidas pelo expectador, fazem com que a trama perca muito do seu sentido. O filme toca em feridas profundas da História do Brasil, com nÃtidas referências a Canudos, ao coronelismo e ao cangaço, com grande dose de crÃtica social e polÃtica, mas essa última não é o foco do filme, ao contrário do que muitos detratores medÃocres da produção brasileira afirmam, em crÃticas rasas e falso-moralistas que ressaltam a polarização barata do momento polÃtico delicado pelo qual passamos no paÃs. A violência, que faz a vez de fio condutor da trama, prende o espectador numa espécie de catarse, talvez com o intuito de, com ela, agindo como a droga que os moradores de Bacurau ingerem no epÃlogo, criar um ambiente capaz de fazer o expectador se desligar de clichês e de fórmulas "prontas" e se conectar com os personagens da trama, como que convidando-o a interpretar o filme por conta própria, sem influências externas.