Vitoria Milliole

Them é uma série de terror onde, incrivelmente, não é o terror que dá náuseas e te faz dar uma pausa pra respirar. É o racismo. Conta a história dos Emory, uma família negra que, lá pra década de 50, se muda da Carolina do Norte para um bairro totalmente formado por brancos, em Los Angeles. A partir dali, ao mesmo tempo em que forças sobrenaturais presentes na casa começam a perturbar a família, os vizinhos brancos, incomodados com sua presença, fazem de tudo para tirá-los dali. As cenas são, realmente, de dar náuseas. São pesadas, são absurdas. E, infelizmente, mostram a realidade da época, ainda presente em muitos lugares e em muitas pessoas. A tortura psicológica sofrida pelos Emory me fez, muitas vezes, pensar que só podia ser exagero da série, não é possível que existisse gente tão... nojenta daquele jeito. Mas existia. Ainda existe. Os ataques de racismo vão de vizinhos sentados em cadeiras em frente à casa da família, fazendo-os de entretenimento, até o Henry, o pai da família, único engenheiro negro da empresa onde trabalha, sendo ignorado no trabalho como se fosse invisível ou confundido com um servente. E esses que eu mencionei ainda são os mais leves. Muito leves, se comparados a outras situações. O sobrenatural da série fica em segundo plano em vista da maldade das pessoas em carne e osso. Ao menos até o final, quando descobrimos (não vou dar spoiler, relaxa!) que até os fantasmas ali estão, de alguma forma, ligados ao racismo. Pode parecer redundante, mas a série é pesada. É sério! Alguns episódios começam com um aviso de violência gráfica, apesar de eu ainda achar que a violência psicológica é mais pesada. Mas, se está parecendo que a série é só sadismo, estou passando a impressão errada. O sobrenatural que faz a família Emory enlouquecer tem uma explicação, que aparece no penúltimo episódio. Cada membro da família é assombrado por uma entidade diferente que entendemos, no final, que é uma grande metáfora pras dores pessoais de cada um. E o último episódio trabalha isso com maestria, cada um derrotando seu próprio monstro. Foi de arrepiar. Eu vi em uma resenha e realmente é verdade: não é um exagero a série ser tão pesada assim. Não tem como única intenção chocar, assustar. Ela trata do racismo e o racismo não é leve. Tampouco era na época retratada. O intuito é, sim, chocar. É, sim, enojar. Mas o intuito também é, acima de tudo, mostrar uma realidade, um contexto que realmente existiu e que era, sim, chocante e nojento. E minimizar o peso dessas cenas seria minimizar o que realmente aconteceu. É necessário causar todas essas reações no telespectador, porque sem choque não há reflexão. E, sem reflexão, não há mudanças.

Eu não sei como demorei tanto pra assistir esse filme. O ator principal é de um talento absurdo, uma atuação surreal. A linguagem corporal e expressões faciais me surpreenderam. Nas cenas em que ele interage com a psicóloga como Barry quando, na verdade, é o Dennis, é possível ver o nervosismo de quem está mentindo em suas feições, o que eu achei incrível. Ainda mais incrível do que o fato de ele interpretar uma personalidade interpretando a outra, ou do que quando ele muda de uma personalidade para a outra. É um suspense psicológico e cumpre muito bem o seu papel de nos causar aflição, mas também é um filme altamente filosófico pra quem sabe ler as entrelinhas. A protagonista, Casey, é criticada por telespectadores por não ter evoluído ao longo da trama. Mas eu pergunto: evoluir o quê, se ela não era exatamente o foco? E digo mais: ela já inicia o filme devidamente evoluída. O final do filme nos mostra que o Kevin considera como impuras aquelas pessoas que não sofreram. Ele pune essas pessoas, sempre na figura feminina devido ao seu trauma com sua mãe. E, dentre as meninas raptadas, a Casey é a única que não se encaixa nisso. Ela tem seus próprios traumas. A personagem cumpre o seu papel, que é justamente mostrar que as pessoas mais evoluídas são aquelas que mais sofreram. O que nos leva de volta ao nosso fragmentado, que também sofreu bastante para chegar a desenvolver todas aquelas personalidades. O final do filme não foi tão grandioso quanto todo o seu desenvolvimento, mas não foi ruim. Ironicamente, a leve pegada sobrenatural tornou tudo um pouco menos mágico. Deu um pequeno desvio do suspense psicológico para a fantasia e, ainda que eu seja apaixonada por fantasia, não acho que ela cabia aqui. Eu acharia melhor se aqueles tiros da Casey tivessem feito algum estrago na Fera. Se ela ao menos cogitasse atirar em um ponto fatal. Afinal, a história dela nos conta que ela sabia muito bem manusear uma arma, mas aqueles tiros demostraram um amadorismo que não condiz com esse fato. No fim, não sabemos se a Fera realmente é o que acredita ser ou se os tiros só foram muito mal dados.