Body Double se debruça sobre a morte de Hitchcock, e nisso, explora o diretor até seu esgotamento sem, de fato, "matá-lo" por completo, mas comentando suas obras e enterrando-as para que ressuscitem e passem a caber em seu devido contexto histórico.
Jake é o tÃpico observador voyeur estabelecido por Hitchcock. Toda sua trajetória - até determinado ponto - é observar sem ser visto e seguir seu objeto de desejo com obsessão. De Palma eleva a tensão vouyeurista aproximando seu protagonista da vÃtima e subverte esse olhar, expondo-o para um segundo observador e fazendo com que no fim, Jake seja o verdadeiro indivÃduo observado.
Através de sua manipulação e da espetacularização da imagem, De Palma faz com que o espectador crie certa cumplicidade deste olhar de Jake e, em seguida, faz comentários ácidos acerca disso. O diretor não deixa dúvidas de que o personagem em questão é perverso e corrompido, e nisso, estende o comentário para o próprio espectador, fazendo com que caiamos em sua armadilha.
Tudo em Body Double se resume à manipulação, seja do tempo, do espaço ou da imagem. O filme faz questão de mostrar que é um filme; faz questão de mostrar os cenários falsos, a própria câmera através de um espelho, e até mesmo o som dos passos dos figurantes que transitam no segundo plano. Isso ocorre, pois deseja discutir o poder da manipulação e da construção da imagem em Hollywood, e assim, conscientizar o espectador de seus efeitos.
Com isso, o filme se estabelece como uma antÃtese daquilo que uma vez foi concebido. Se Vertigo é um filme A, Body Double se posiciona como um filme B. Seus personagens são doppelgangers corrompidos que vão contra as ações dos personagens originais. É um verdadeiro exercÃcio dialético sendo construÃdo diante de nossos olhos.
No final, Jake (que é a representação das obras de Hitchcock) passa por um enterro simbólico onde se faz morrer tudo aquilo que é problemático, e é ressuscitado em sua nova forma, para que a essência de Hitchcock continue vivendo sob uma nova perspectiva.
Sem mais segredos, Body Double assume sua "perversidade" que antes estava escondida e que era percebida como algo banal, e nos mostra que essa percepção não passa de uma manipulação. Através da cena final, onde a técnica de dublê de corpo é revelada, De Palma evidencia como o posicionamento de câmera e a montagem são capazes de criar uma grande mentira.
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