Esse é um filme que, de cara, desconstrói o que muitos fãs esperavam ao focar não no vilão icônico e caótico, mas no homem por trás da máscara, Arthur Fleck. E é aí que a história começa a dividir opiniões. Em uma das cenas mais marcantes, Arthur declara que não é o Coringa. É nesse momento que todos à sua volta, inclusive Harley Quinn, o abandonam. O interessante é que isso reflete o sentimento de muitos espectadores que saíram do cinema desapontados. Eles queriam ver o Coringa em sua forma mais psicótica e caótica, mas o filme não é sobre isso. Ele é, na verdade, sobre Arthur — um homem quebrado, com uma vida de traumas e abusos, que lida com sua realidade dolorosa criando fantasias.
Essas fantasias não são apenas sobre ser o Coringa. O filme faz questão de explorar o lado artístico de Arthur. Desde o início, ele expressa essa vontade de ser um palhaço, de usar maquiagem e se expressar de uma forma teatral. Esse traço artístico se reflete também na estrutura musical do filme. As cenas com músicas, que dão um tom de fuga da realidade, representam a maneira como Arthur tenta escapar da sua vida de sofrimento. É como se ele usasse a arte para se proteger da dura verdade de que, no fundo, ele se sente um nada.
O filme, que é um musical, reforça essa sensibilidade artística de Arthur. Para quem consegue perceber esses detalhes, é fascinante ver como a arte está presente em cada canto da narrativa. Para Arthur, o ato de se vestir como palhaço, de se apresentar e de se expressar, é sua maneira de lidar com a vida. E para quem tem essa sensibilidade artística, é aí que o filme brilha, mostrando a profundidade de um personagem que, apesar de toda a dor, tem um lado criador.
A obsessão dele por ser palhaço e as cenas musicais representam essa fuga, mas também explicam por que ele era visto como um palhaço sem graça — sua vida foi de tanto sofrimento que ele não tinha uma referência real de alegria. Suas piadas, distorcidas pelos traumas, sempre carregavam um fundo trágico, o que, para as outras pessoas, se tornava sem graça. Mas foi assim que ele construiu um senso de humor — baseado na desgraça e nos acontecimentos traumáticos da sua vida.
No fim, esse não é um filme sobre o caos que o Coringa poderia causar, mas sobre a vida de Arthur Fleck e como a arte (a música e a comédia), mesmo em meio ao sofrimento, foi uma ferramenta que ele usou para sobreviver. Isso faz do filme uma experiência única e muito mais complexa do que apenas ver o vilão em ação. Não é o Coringa que muitos queriam, mas é Arthur Fleck em sua essência — e, para muitos, isso é mais do que suficiente.