Bong Joon-ho, em Memórias de um Assassino, redefine o thriller policial ao construir uma narrativa que transcende o gênero e se torna uma profunda reflexão sobre moralidade, justiça e a falibilidade humana. Baseado em eventos reais que marcaram a Coreia do Sul, o filme não apenas relata uma investigação, mas também lança um olhar crítico sobre os dilemas éticos de seus personagens e o sistema que eles representam.
O roteiro, escrito pelo próprio Bong, é uma obra-prima de construção narrativa. A trama segue os detetives Park Doo-man (Song Kang-ho), Seo Tae-yoon (Kim Sang-kyung) e Cho Young-koo (Kim Roi-ha), cada um representando abordagens distintas de investigação. Park, com sua crença ingênua na intuição; Seo, com sua dependência metódica em evidências; e Cho, que adota a brutalidade como método, são peças de um jogo psicológico intenso. A dinâmica entre esses três personagens é o coração pulsante do filme, evidenciando os conflitos internos de uma sociedade em crise moral.
O trabalho de direção de Bong Joon-ho é impecável, demonstrando um controle absoluto sobre o ritmo e o tom. Ele constrói a tensão de maneira crescente, mas evita o sensacionalismo, optando por momentos mais sutis e psicológicos para prender o espectador. Sua habilidade em integrar toques de humor em uma narrativa pesada é um testemunho de sua sensibilidade como cineasta, nunca comprometendo o peso emocional da trama.
As atuações são um dos maiores destaques. Song Kang-ho entrega uma performance magistral, oscilando entre arrogância e vulnerabilidade, enquanto Kim Sang-kyung encarna a determinação inabalável de um homem preso entre sua ética e o desespero de capturar o assassino. Kim Roi-ha, por sua vez, traz uma intensidade perturbadora que ilustra o lado mais sombrio da polícia. Juntos, o trio cria personagens que não apenas reagem aos eventos, mas também evoluem, tornando-se reflexos do impacto que o caso tem em suas vidas.
O filme também se destaca por subverter as convenções do gênero policial. Ao invés de oferecer uma resolução clara, Memórias de um Assassino desafia as expectativas ao apresentar uma investigação marcada por erros, falhas e incertezas. Essa abordagem realista é incomum, mas poderosa, e culmina em um dos finais mais marcantes do cinema moderno. O olhar direto para a câmera no clímax não apenas quebra a quarta parede, mas serve como um lembrete sombrio da impotência frente ao mal e da dor não resolvida de uma sociedade marcada por injustiças.
Se há algo a criticar, seria o ritmo mais lento em alguns momentos, que pode testar a paciência de espectadores menos acostumados com narrativas focadas no desenvolvimento de personagens. No entanto, essa escolha narrativa é justificada pela profundidade emocional e temática que o filme entrega.