No início deste ano o livro 1984, de George Orwell, figurou na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos. O súbito impulso no interesse pela obra de 1949 ocorreu após uma declaração de Kellyanne Conway, assessora de imprensa do presidente Donald Trump. Conway definiu como “fatos alternativos” as declarações do porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, de que a posse de Trump teria tido o maior público da história. Fotos comparativas avaliadas por analistas apontaram que a cerimônia teve presença bem menor, na verdade. Mas os “fatos alternativos” citados pela assessora serviram para traçar um paralelo com a obra de Orwell. O termo, de acordo com o livro, descreve uma sociedade em que o governo controla estritamente a informação.
O livro é considerado uma distopia, tendo como cenário uma sociedade governada pelo regime totalitário do Partido, em que os fatos são distorcidos e impera censura e vigilância constante da população.
O Partido, liderado pelo Grande Irmão, vigia a rotina e as relações interpessoais. O principal instrumento usado são as “teletelas”, existentes em todas as casas, que se assemelham a uma “placa metálica retangular semelhante a um espelho fosco, embutido na parede”. Além disso, há microfones escondidos nas ruas e pequenos helicópteros (drones) que filmam dentro das casas.
Aqueles que não obedecem ao Partido são entregues à “Polícia do Pensamento”. A função desse departamento é justamente fiscalizar o comportamento, repreender e punir todos aqueles que pensam de forma independente e contrariando o Grande Irmão.
Mesmo sendo escrito em 1949, todas essas formas de vigilância estão presentes no cotidiano dos cidadãos, às vezes de forma velada. A tecnologia tem contribuído cada vez mais para ampliar o controle dos cidadãos e há perda da privacidade.
Para o professor de direito e desembargador no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ney Wiedemann Neto, os sistemas de informática controlam tudo o que as pessoas fazem, como questões tributárias, movimentações bancárias, gastos, viagens. Ele acredita que a própria questão da insegurança causada pelo terrorismo internacional serviu para a ampliação desses mecanismos de controle. “O Ato Patriótico, nos Estados Unidos, é uma evidência disso, onde até mesmo as comunicações das pessoas através de e-mails podem ser acessadas”, explica.
Um dos casos mais conhecidos aconteceu em 2013. O ex-técnico da CIA, Edward Snowden, na época com 29 anos, foi acusado de espionagem por vazar informações sigilosas dos Estados Unidos pois, ao fazer isso, revelou em detalhes alguns dos programas de vigilância para monitorar pessoas em vários países do mundo.
Para o controle de informações foram utilizados servidores de empresas como Google, Apple e Facebook. Snowden teve acesso às informações quando prestava serviços terceirizados para a Agência de Segurança Nacional (NSA), no Havaí. Por isso, precisou pedir asilo a outros países para evitar ser preso e julgado pelo vazamento de informações do governo dos Estados Unidos.
Não só no livro 1984 como atualmente é possível perceber a existência de diferentes formas de punição para aqueles que contrariam o governo, e se recusam a ser constantemente vigiados.