Em 1974, Austregésilo Carrano Bueno era um garoto comum de 17 anos. Seu pai então descobriu um "baseado" entre suas coisas e, motivado pela paranoia em relação às drogas, internou o filho à força num hospital psiquiátrico. O garoto, que não era viciado, foi dopado, recebeu sessões de eletrochoques e conheceu o cotidiano cruel de um "hospício". Evidentemente, isso só o deixou muito pior. Seguiu-se outra internação, em outro hospital. Dessa vez, Carrano tentou suicídio e seus pais finalmente perceberam que a emenda tinha saído pior que o soneto. Ao todo, ele passou três anos e meio internado em duas instituições. Por um "baseado". Se você sobrevive a isso, um livro é a única resposta possível.
Lançado em 1990 pela UFPr, "Canto dos Malditos" teve tiragens tímidas até cair nas mãos da cineasta Laís Bodanzky, que, em 2001, juntamente com o autor, adaptou o livro para o cinema, dando origem ao premiadíssimo filme "Bicho de sete cabeças".
Para Carrano, no entanto, as coisas não andavam bem. Em 1998 ele entrou com uma ação indenizatória, e de vítima passou a réu, sendo condenado a pagar 60 mil reais, por "difamação" às instituições e psiquiatras que o "trataram". Na sequência, seu livro, que tinha entrado no circuito comercial em 2001, lançado pela Editora Rocco, foi proibido e tornou-se um dos poucos livros censurados no país depois da ditadura, só voltando a ser imprimido em 2004. Carrano faleceu em 2008, aos 51 anos.
Mais do que um relato das desgraças do autor, esse livro, além de ter qualidades literárias, é uma denúncia não só das crueldades de nosso sistema psiquiátrico, mas também de uma visão autoritária que, ao associar "drogas", "juventude" e "loucura", procura calar as vozes (lúcidas ou não) daqueles que se opõem (ou naufragam) em meio a uma estrutura sócio-econômica cujo único objetivo é o bem de poucos e a exploração ou marginalização da maioria da população. Hoje, em meio a um "revival" de autoritarismo e teorias conspiratórias, a leitura (ou releitura) de "Canto dos Malditos" é extremamente enriquecedora e mais do que pertinente. Se você não leu, leia urgentemente. Se já leu, leia de novo.