“O ruído é uma parte do som que ainda estamos aprendendo a organizar. Sabemos organizar certa parte do som, mas existem vários outros sons que extrapolam essa fronteira estabelecida da música e se abrem a muitos outros sons. Trabalhar essa parte nos dá medo, chegamos a ela com cautela. O ruído é o que vem depois do som organizado, o que ele tem a mais; lidar com ele é deixar o abrigo da música e tentar se chegar ao som” essa frase dita por Arto Lindsay pode ser vista como o centro da construção estética e discursiva de “Sutis Interferências’, novo filme de Paula de Gaitán. A frase diz respeito tanto a música quanto ao cinema. Ao associarmos o ruído musical a uma expressão do caos criativo – caos como matéria a ser organizada pela arte, seja o cinema, a música, as artes plásticas ou a literatura -, temos um ponto de partida para como o cinema trabalha, ou melhor, tenta trabalhar, os elementos que fogem às construções formais já consolidadas, aos lugares comuns e confortáveis do fazer cinema.
É esse processo, o trabalhar e traduzir em imagens toda a potência do som, da música ímpar de Arto Lindsay que Paula Gaitán nos oferece nesse longa monumental. Estamos diante de um filme sensorial ao limite, em que a força da música e do som nos chega antes do que as imagens. É a partir do sonoro, do intuitivo, que o longa nos leva a uma jornada visual arrebatadora. Os conceitos dialéticos entre som e imagem são extrapolados em ‘Sutis Interferências’. Aqui, estamos diante de uma relação umbilical entre som e imagem, em que a dialética sempre se amplia e se reconfigura. O som (a música e os ruídos) condiciona a composição dos planos, dita o ritmo da câmera e da montagem, comanda os movimentos de câmera e a duração dos takes. Paula faz uma obra em que seu papel como realizadora é tentar organizar o caos sonoro e visual e dele retirar uma pujança que traga o espectador para o centro desse caos, que envolve todos os sentidos desse espectador, sem facilitar nada durante esse processo, mas que proporciona um prazer não só intelectual, mas também físico. É um filme para ser sentido, sua apreciação passa pelo uso constante da audição, da visão e da capacidade de estabelecer relações entre eles que muitas vezes fogem de qualquer lógica transparente. São camadas sobrepostas, são texturas sonoras e visuais que se multiplicam isoladamente ao mesmo tempo em que operam em conjunto. Fernando Oriente/TUDO BEM