Tendo como perspectiva a proximidade do ano 2000, O beijo de Judas: fotografia e verdade, de Joan Fontcuberta, é uma tentativa de balizar a fotografia como elemento-chave da cultura visual do novo milênio. Publicado originalmente em francês no ano de 1996, a primeira versão brasileira é de 2010 e foi publicada pela Editoria Gustavo Gili, com tradução de Maria Alzira Brum Lemos.
O livro reúne um apanhado de oito ensaios em que o autor discute representação e verossimilhança tendo a fotografia como ponto de partida para a enxurrada de imagens do cinema, da televisão e da internet na virada do último século.
Joan Fontcuberta constrói a obra com base no paralelismo entre a verdade e a crença. Usa analogias religiosas desde o título ao caso de São Tomé, aquele que precisava ver para crer. Para o leitor que não possui repertório cristão, tais combinações podem soar irrelevantes a princípio, mas ele consegue conduzir o livro mantendo o objetivo a que se propõe: colocar a verdade da fotografia em xeque e 'ganhar adeptos para a causa dos céticos’. Fontcuberta avisa que seu tema fundamental é o da verdade: 'A história da fotografia pode ser contemplada como um diálogo entre a vontade de nos aproximarmos do real e as dificuldades para fazê-lo. Por isso, apesar das aparências, o domínio da fotografia se situa mais propriamente no campo da ontologia que no da estética’.
Abre o livro com Pecados originais e apresenta alguns motivos pelos quais se proíbe fotografar: 'diga-me por que te proíbem e te direi quem és'. A partir da pergunta, o autor ressalta que a fotografia nos situa em uma posição conveniente para fazer uma radiografia do mundo em que estamos. Daí, dependendo do ponto de vista, ela se posiciona como pecado ou como dispositivo para a 'busca de Deus: 'fotógrafos de renome e livres de qualquer suspeita de afinidades com gurus e seitas, como Henri Cartier-Bresson, interpretaram o ato fotográfico como um instante decisivo, sobrenatural, epifânico, de comunhão entre o mundo e o espírito'.
Ao citar o ‘papa’ do fotojornalismo, o autor oferece o gancho para apresentar esse dispositivo a serviço da verdade, nas palavras de Jean Baudrillard, 'capaz de mostrar um objeto sem ocultações, esfregando toda a realidade diante de nossos olhos, sem reparos, e, para isso, o meio fotográfico, graças à sua precisão descritiva, tem todas as cartas a seu favor’.