VERMELHO SOL de Benjamin Naishtat, Brasil, Bélgica, Alemanha e Suiça, 2018
O mal-estar da civilização em estória dramática
No filme argentino “Vermelho Sol” (2018), Benjamin Naishtat, diretor e roteirista, transforma o drama dos desaparecidos durante o golpe e a ditadura na Argentina, de 1966 a 1973, em um drama pessoal. Dessa forma, sem narrar diretamente os fatos relacionados ao período de obscuridade do regime militar e do nazismo, ele segue o assassinato de um estranho por um advogado de sucesso chamado Claúdio (Dario Grandinetti), cuja vida de aparente tranqüilidade maquila o seu crime após uma noite de discussão em um restaurante. Noite de fuga e de eclipse em sua vida até o deserto onde esconde o cadáver. Um detetive chileno particular, vivido por Alfredo Castro, e que antes teria tido um programa de TV, chega a elucidar o crime, mas ao final do filme, deixa o assassino sem punição.
Com a fotografia do brasileiro Pedro Sotero, Naishtat utiliza o eclipse, a noite e o deserto como elementos semelhantes ao cinema de aventura de Michelangelo Antonioni, ambos cientes de estar lidando com os sintomas de um mal-estar da civilização.
O eclipse dá nome ao título “Vermelho Sol”, na noite escura avermelhada do eclipse solar, segundo Antonioni, o momento de espera para filmar “O eclipse” (L’eclisse), em que, “até os sentimentos ficarão parados”. Trata-se de uma estética forte, sem apelo ao sentimentalismo, construída com os eclipses de atitudes humanas incomensuráveis. Dimensão que, em “O mal-estar na civilização” (1930), Sigmund Freud assinala: “Evidentemente, não é fácil para os seres humanos renunciar a satisfazer esta sua tendência à inclinação agressiva; não se sentem bem nesta renúncia. Não se deve menosprezar a vantagem que um grupo cultural oferece, concedendo a essa inclinação um escape sob a forma de hostilidade contra os estranhos”. Ao considerar falho o presente estado de nossa democracia, o diretor, assim, reafirma a inclinação agressiva no eclipse atual do ser humano e da violência política dentro dos regimes totalitários.
Rio de Janeiro , 09/08/2019
Dinara Gouveia Machado Guimarães
Autora dos livros sobre Psicanálise e Cinema: "Vazio Iluminado: o olhar dos olhares" (Ed. Garamond), "Voz na luz" (Ed. Garamond), "Escuta do desejo" (Cia de Freud). e "La voix dans la lumière - Essais sur le cinéma et la psychanalyse" (Ed.Amazon).